camaleão
Duas e dez da manhã, acendi um cigarro e apaguei. Não há necessidade alguma para estragar um pouco mais meus pulmões de dezoito anos, obrigada. Ando pensando tanto, tanto, acho que meu cérebro pode derreter e escorrer pelas minhas orelhas a qualquer momento e ando rezando para que isso não aconteça durante minhas aulas, porque seria de fato muito decepcionante um pouco mais de dificuldade com uma língua tão fácil. Logo eu, quem diria, aquela que gritava, pulava, andava se mexendo por todos os cantos, esquinas, pedaços de lugares, pessoas, mentes e assuntos, a todo custo se enquadrando sem parar. Por fim, tão quieta, solitária, silenciosa, praticamente irreconhecível. Permaneço sorridente, simpática, fugaz, intensa e extremamente esfuziante, mas um apêndice do tamanho de um Avatar caiu de mim uns 400km atrás e ficou sem deixar notícias (ainda bem!). Fico me perguntando o que aconteceu com a minha personalidade anterior. Eu não sinto mais a necessidade de sair para conversar amenidades, falar sobre o tempo, roupas, bebida, pessoas, humor, mudanças, revistas, coisas quaisquer, enfim. Televisão, por exemplo. Eu não vejo reality shows, mas pelo menos ainda gosto bastante de documentários históricos. A antiga necessidade de coletar o maior número de amigos se tornou uma vontade quase arrebatadora de fugir da maior quantidade possível de conhecidos, por favor, e coletar uma pequena parcela de amigos de verdade e muito próximos. Amigos diferenciados, especiais e com características distintas. Eu mudei dos pés à cabeça, e não tem mais volta. Filosofo sobre sentimentos, atitudes e opiniões próprias enquanto durmo acordada, o tempo inteiro, mas nunca sobre os outros. Me privo a pensar apenas sobre o que me diz respeito e o que eu for requisitada, e o mais intrigante é que nunca tive tanto no que pensar quanto agora: minha mente está em turbilhão. Fico pensando em tantas coisas sem necessidade que deixei para trás. De fato, gastava muito tempo da minha vida com elas. Tenho tido um relacionamento muito mais sincero, íntegro e limpo comigo mesma, um relacionamento de verdade, de amizade, real. Sei que não vou ficar sozinha para sempre, quero constituir família, quero filhos, quero um amor, quero ser feliz, mas sou tão feliz sozinha agora… “I was born lonely, I guess”, como eu diria. Solidão remete calafrios para tantos e para mim, anteriormente, mas hoje em dia eu fico tão agoniada no meio da multidão, que chego a achar graça ao lembrar que um dia ignorei a frase “posso me sentir sozinha no meio de uma multidão”. É que essa tal multidão praticamente me sufoca. Pessoas e mais pessoas se amando (ou acreditando no mesmo) sinteticamente de maneira sincronizada pra superficialmente agradar uns aos outros quando, na verdade, ninguém precisa mais do que tem por si só. Infelizmente, preciso dizer que o equilíbrio está em notar que só se ama outra pessoa quando se consegue ser inteiramente feliz sozinho, amando só e inteiramente a si mesmo, de maneira sutil. O amor pelo outro existe, sim, e devemos procurar companhia, e a companhia nos traz satisfação — eu mesma adquiro satisfação por meio de algumas companhias — mas ela não pode vir de maneira vital e insubstituível, ou sua ausência se tornará um sentimento de angústia e perda, quando na verdade não podemos perder algo que não é nosso… Uma pessoa nunca estará dentro dos domínios de outra, e mesmo que ela saia e seja substituída, seria uma ação inteiramente programada, e não natural. O amor é um sentimento que existe. Existe substancialmente, mas não de maneira sistemática. Não se coloca em listas, como em tabelas. Passei muito tempo da minha vida pensando em mim mesma e não me preocupando com a opinião alheia e, como sempre na vida, colhi os frutos podres de uma péssima safra. Para minha felicidade, eu era muito mais nova e tinha bom coração, apesar de tudo, e depois disso deixei toda a minha felicidade de lado em nome da felicidade alheia, em parte, em vão. Fazer o bem sem olhar a quem é realmente uma atitude válida, mas sempre acreditando em si ao mesmo tempo, e infelizmente eu deixei minhas próprias crenças de lado… Talvez fique meio confuso de explicar, mas vou tentar… Na minha opinião, absolutamente todas as pessoas no mundo têm pelo menos uma virtude (algumas pessoas têm muitas virtudes), basta que elas descubram onde está. As pessoas precisam se abrir, precisam deixar peito e cabeça abertos para um auto descobrimento, precisam estar leves pra isso, e infelizmente algumas pessoas morrem sem encontrar a parte especial que as diferenciam das outras. Não é que existam muitas pessoas ruins, não é que nossa humanidade esteja perdida e sem valores, e sim que a maioria das pessoas está ocupada demais desperdiçando tempo com outras atividades. Eu mesma estava gastando tempo da minha vida com outras coisas, mas cansei. Acho que é como se fosse o meu terceiro olho, afinal, eu nunca soube o que era para significar um terceiro olho mesmo… Mas metaforicamente neste texto, o terceiro olho para mim seria o que algumas pessoas teriam quando resolvessem parar de se prender com o clichê e resolvessem pensar com a alma. Não com o corpo, nem com a cabeça. A questão principal é essa: a solidão e o que ela pode trazer. Um tabu tão maravilhoso como o frenesi. Duas palavras que, para mim, representam duas situações distintas cada. Eu, que sempre repudiei ficar sozinha, agora noto que era medo e insuficiência… Me faltava alguma coisa, ainda. A solidão agora é sinônimo de paz e tranquilidade, não de aflição. Maior aflição seria desperdiçar meu tempo, energia e conhecimento com recipientes vazios sedentos por informações para pré julgamentos incorretos a respeito de uma pseudo vida que eles iriam criar baseados nos meus trejeitos, roupas, atitudes e palavras. Eu verdadeiramente não preciso disso, e ninguém precisa, nem mesmo as pessoas que o praticam. Gasto de tempo, gasto de energia, gasto do amor verdadeiro, e cada vez mais a alma se distancia. O meu crescimento pessoal vem de quanto mais tempo eu fico comigo mesma, e disso eu tenho certeza, pelo menos neste momento. Tenho conversado bastante comigo mesma e tem sido uma experiência única, sinto como se nunca tivesse acontecido — acho realmente que nunca aconteceu -, me sinto mais perto de mim mesma, como se pudesse tocar meu interior a cada dia que passa. Quanto mais me enfio na minha toca, nos meus textos, desenhos e pensamentos, mais perto eu fico de entender o interior da minha mente enozada, o que é um tanto chocante de se comparar com o meu nível de organização externo, mas mesmo os nós mentais vão indo excepcionalmente bem, estou orgulhosa!